msdm a nomadic house-studio-gallery for photographic art and curatorial research, an expanded practice of the artist's book, photobook publishing and peer-to-peer collaboration created by contemporary artist paula roush
Margarida Carvalho reflects
on cctvecstasy
in A Obra “Faça-você-mesmo”:
Estética da Participação nas Artes Digitais
Tese de Doutoramento em Ciências da Comunicação,
Especialidade de Comunicação e Artes,
Universidade Nova de Lisboa, 2014
[see dissertation here]
Podemos então afirmar que a cyberformance é um subgénero da categoria mais vasta da performance em rede e é precisamente à luz destes conceitos que passamos agora a analisar o projeto cctvecstasy, do coletivo Webcam Operators (2009), que foi desenvolvido em 2009, no âmbito do festival Radiator, em Nottingham. Participaram, nesta cyberformance, paula roush, no QUAD, em Derby, Marie Josiane Agossou, na Universidade de South Bank, Londres, Lina Jungergård no espaço Area 10, Londres, Deej Fabyc na Elastic Gallery, Suécia, Lara Morais e Maria Lusitano na Academia de Arte de Malmo, Suécia, e Aaron de Montesse e Anne Overaa nas suas casas. Susana Mendes Silva era também um dos membros do coletivo mas problemas técnicos imprevistos impediram a sua participação.
A performance cctvecstasy pode ser pensada como um projeto site-specific na medida em que teve lugar na comunidade online WebCamNow que estabelece a ligação em direto de webcams, em todo o mundo, sem ser necessário que o utilizador crie uma homepage ou mesmo um perfil pessoal. A plataforma WebcamNow consiste numa interface readymade e está dividida em duas áreas, a área aberta, sob licença para conteúdos adultos e que é utilizada acima de tudo por participantes em busca de experiências íntimas e uma segunda área, designada de “amigos e família”, na qual os intervenientes sabem que as suas ações poderão ser monitorizadas. Ao contrário das redes sociais e de live streaming mais recentes, que combinam videostream e videologs (uma variante de weblogs, cujo conteúdo principal consiste em vídeos), a comunidade WebcamNow não disponibiliza arquivo de vídeo, imagens ou mensagens incidindo antes na utilização de webcams para transmitir em direto a partir de ambientes íntimos (webcamming). A interface da WebCamNow inclui canais de vídeo, chat em texto e uma barra que indica quem é que está ligado a cada sala vídeo e que funciona como um indicador de popularidade à semelhança das life bars dos jogos de computador.
Assim, após um período de investigação, o projeto cctvecstasy desenvolveu-se em torno de uma narrativa esboçada a partir dos encontros das performers com os outros participantes da comunidade. As performances desenvolvidas ocorreram em vários canais de vídeo e questionavam as condições de receção e participação próprias do espectador e utilizador da plataforma WebCamNow. Nas palavras de paula roush:
“ [Na área aberta da plataforma WebcamNow] uma variedade de pessoas hétero e LGBTQ (lésbicas, gay, bissexuais, transgénero e queer) operam as suas webcams, jogando com estratégias múltiplas: da autenticidade encenada das que instalam a webcam nos seus quartos, colocando a sua vida sob escrutínio, a outras que se mascaram em versões muito encenadas de feminilidade/masculinidade e fetichismo, atuando para um grupo particular de devotos. Nós usámos a webcamming e as ferramentas de chat de texto livremente disponíveis a fim de trabalhar sincronicamente através de salas separadas e comunicar com outras salas
de chat de vídeo.” (roush, 2010: 116)
A performance decorreu online e perante uma audiência em presença, na galeria QUAD em Derby, com sete performers em live streaming enquanto paula roush operava ao vivo a passagem entre os vários espaços. A própria audiência era filmada e transmitida via live feed num canal vídeo. Podemos, portanto, falar de um espaço híbrido em jogo na cyberformance cctvecstasy. De sala de chat em sala de chat, as várias performances são, por sua vez, objeto da intervenção da performer que se encontra no espaço físico da galeria, junto da audiência, e que manipula em tempo real a visibilidade das ações e dos espaços.
Assim, é de salientar que as zonas de contacto e os movimentos de passagem se expandem neste projeto: são as interações e misturas entre os utilizadores da plataforma WebCamNow; as fronteiras diluídas entre a banalidade das imagens quotidianas e o elemento intencionalmente performativo; as intervenções dos participantes da comunidade WebCamNow na performance em tempo real via chat; e, finalmente, os contágios entre os espaços físicos remotos habitados pelas performers, o espaço
telemático da World Wide Web e o espaço da galeria onde se encontra a audiência em presença.
Neste contexto consideramos que é pertinente referir o conceito de “performance liminar” de Susan Broadhurst que “joga com o limite do possível” tendo como caraterísticas fundamentais a “hibridização, indeterminação, ausência de ‘aura’ e o colapso da distinção hierárquica entre cultura popular e de elite” (Broadhurst, 1999: 1). Paralelamente, a noção de “audiência intermedial”, proposta por Helen Varley Jamieson, é igualmente relevante uma vez que abrange simultaneamente as audiências online e em presença que se encontram envolvidas, mental e fisicamente, em múltiplas tarefas, assumindo vários papéis − nomeadamente os de espectador, performer, autor, leitor, comentador, chatter e voyeur.
De salientar também a estética low-tech e faça-você-mesmo da cyberformance cctvecstasy e a centralidade da webcam na criação de um espaço íntimo, cheio de textura, que dá vontade de acariciar, agarrar a imagem, passar para o outro lado e habitar o espaço do corpo da performer. O olhar íntimo da webcam é quase como o olhar que resulta de um enlace amoroso, demasiado perto para podermos realmente ver. Assim, o voyeurismo associado às práticas de webcamming deve ser equacionado à luz desta proximidade, da baixa resolução da imagem e da manipulação da sua suposta estética de autenticidade. Talvez por isso o recurso à máscara seja recorrente nas práticas de cyberformance. A máscara assinala o caráter mercurial da identidade online e o misto de ficção e realidade em jogo na experiência de telepresença precipitada pela performance em rede. Nas palavras de Lynn Hershman Leeson em “Romancing the Anti-Body: Lust and Longing in (Cyber)space”:
“Antes de ficar completamente ligado ou imerso no ciberespaço, o indivíduo tem de criar uma máscara. Esta torna-se uma assinatura, uma impressão digital, uma sombra, um meio de reconhecimento. A justificação para este disfarce é similar à das camuflagens tribais: as
máscaras ocultam o corpo e ao fazê-lo libertam e dão voz às identidades virtuais. No momento em que a verdade pessoal se liberta, a face frágil e ténue da vulnerabilidade é protegida.” (Leeson, 1996: 325)
Efetivamente, um jogo ambíguo entre ocultação e desvelamento, simulação e autenticidade, intimidade e voyeurismo, perpassa as práticas artísticas que emergem das redes digitais, sendo de destacar a este respeito o corpo de trabalho performativo de Annie Abrahams no qual comunicação e intimidade, na sua miríade de declinações, se transformam em autênticos problemas na aceção deleuziana do termo.
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